sexta-feira, 8 de maio de 2009

Descobrem bactérias que vivem sem luz nem oxigénio debaixo do gelo da Antártida


 

EL MUNDO

 

Gustavo Catalán Deus | Madrid

 

Um insólito ecossistema onde vivem bactérias pese a não haver oxigénio, em completa obscuridade, a 10ºC debaixo de zero e em água com quatro vezes maior salinidade que a do mar, foi descoberto num lago subterrâneo debaixo de um glaciar, na Antártida. Este prístino habitat funciona como um perfeito mecanismo biológico desde há nada menos que entre 1,5 e quatro milhões de anos.

 

Investigadores das universidades de Harvard e Cambridge publicam hoje na Science a sua descoberta. O lugar, denominado Cataratas de sangue devido à agua de alta coloração vermelha procedente da oxidação que flúi por debaixo do glaciar, já havia chamado a atenção dos primeiros exploradores antárcticos em 1911, no ano em que se descobriu o Pólo Sul. Eles atribuíram-no a umas algas vermelhas que suponham deviam viver debaixo do gelo.

 

Mas uma casualidade permitiu descobrir o porquê dessa chamativa cor vermelha sobre o manto branco do gelo. Enquanto uma investigadora permanecia junto ao lugar justamente no dia oportuno, houve um fluxo da salmoura subglacial recém filtrada que permitiu tomar as primeiras amostras e realizar as análises que haviam estado intentando durante anos.

 

O primeiro resultado do laboratório fez exclamar aos científicos o célebre eureka! que acompanha os descobrimentos: a água não contém oxigénio. Ademais, era rica em sulfuro, próprio dos ambientes marinhos e com uma concentração salina quatro vezes maior que a dos oceanos.

 

Isso deu pistas sobre a sua origem oceânica e a idade: entre 1,4 e quatro milhões de anos, quando grande parte da Terra estava coberta de gelo e a água marinha ficou presa debaixo dos glaciares num lago de uns quatro quilómetros de largo por 400 metros de profundidade, que não está congelada devido à sua elevada salinidade.

 

Ecossistema assombroso

 

Mas o realmente surpreendente é que os micróbios que viviam então seguiram reproduzindo-se e é o lugar desses seres que viveram aí durante milhões de anos, aportando um exemplo assombroso de como um sistema microbiano pode sobreviver durante um período prolongado sem fotossíntese ou nutrientes duma fonte externa.

 

O lago está situado no Vale Seco de McMurdo, a Este da Antártida, debaixo dum glaciar de 1,5 quilómetro de espessura. Segundo Jill A. Micucki e a sua equipa de investigação, a água que contem é anóxica, extremamente salina, e repleta de ferro.

 

Também contém sulfato, uma fonte de energia comum para micróbios, mas curiosamente pouco do sulfuro que geralmente se esperaria se os micróbios estivessem metabolizando o sulfato mediante a sua redução ao sulfuro.

 

Baseando-se nos isótopos de oxigénio e no sulfato e a evidência de uma enzima chamada adenosina 5 fosfosulfatoreductasa, os autores concluem que os micróbios estão de facto reduzindo o sulfato mas que o fazem através dum metabolismo ferro-sulfuro interconectado, o qual utiliza ferro da base do substrato rochoso do lago.

 

Os descobridores do novo habitat propõem que os sistemas microbianos similares a este podem haver existido durante os episódios da chamada Terra bola de neve, quando o planeta poderia haver estado coberto quase por completo de gelo.

 

Indo muito mais além, este ecossistema isolado durante milhões de anos poderia explicar a existência de vida noutros planetas do nosso sistema solar. Formas primitivas de vida como é o caso, é o que procuram desde há décadas os cientistas da NASA em Marte, e na lua Europa de Júpiter.

 

Um investigador posa sobre a superfície gelada das 'As cataratas de sangue'. (Foto: 'Science'

 

 

 

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